Resultado de quase uma década de investigações primárias em bibliotecas e arquivos centrais, regionais e privados da França, esta obra em quatro demorados volumes publica e estuda uma impressiva colecção de 295 memórias textuais de Macau escritas entre 1609 e 1900. Reúnem-se a 20 textos do século XVII, 57 do século XVIII, pertencendo os restantes em número de 97 à primeira metade do século XIX para 121 da segunda metade de oitocentos. Produzidos pelos mais diferentes autores e editores, estendendo-se por prestigiados viajantes marítimos a missionários, militares, diplomatas, médicos da marinha, geógrafos, jornalistas, cientistas ou os primeiros assumidos turistas, estas memórias em viagem por Macau iluminam os mais diversos aspectos da vida social, económica, das gentes e dos espaços que tornaram Macau um território fundamental para o acesso da França ao grande império do meio. Se alguns destes autores são tão humildes como o tanoeiro Laurentin-Justin Dessales que ditou porque quase não sabia escrever o que viu de Macau em 1838, outros textos trazem o prestígio dos escritores e ensaístas maiores como Chrétien-Louis Joseph de Guignes, Agricol-Joseph Fortia D’Urban, Jean-Ferdinand Denis, Léon Gozlan, René de Pont-Jest, Philibert Audebrand, Louis Henri Boussenard, Paul Bonnetain ou mesmo do grande Honoré de Balzac que mobilizou o melhor da sua prosa para contar em 1842 a legenda do templo de A-Má visto e admirado nas telas do seu íntimo amigo, o pintor Auguste Borget que teve a sorte de ser encontrado em Valparaíso pelo grande comerciante de ópio e de cules muito bem instalado em Macau que foi o poderoso Jean Antoine Durand.
Volumes muito ocupados a editar com rigor estas 295 memórias que, deslindando autorias e apurando os seus sentidos narrativos, oferecem também aos leitores vários outros capítulos em que se estuda sobretudo com as metódicas da história cultural a oceânica atenção intelectual, diplomática e política que aproximou sucessivamente a França de Macau, culminando até 1859 com a activa presença dos seus embaixadores nomeados para ministros plenipotenciários na China que transformaram a legação francesa na cidade num dos principais espaços de sociabilidade elitária e cosmopolita epocais. Se entre 1857 e 1862 a ofensiva colonial francesa na Indochina e a sua participação militar na chamada segunda guerra do ópio ergueram mesmo um hospital militar em Macau, tratando mais de 2000 feridos franceses, o profundo interesse da França pela pequena terra do delta do rio das Pérolas mobilizava enorme atenção tanto da imprensa diária quanto de muitas revistas científicas e literárias que, a cruzar a esta biblioteca única de memórias vezes 295, ajudam a perceber quanto a imaginação francesa da cidade, das suas pessoas e coisas contribuiu generosamente para escorar a representação cultural com que se foi seleccionando em textos e imagéticas o que se queria destacar como património e história de Macau. Não admira, por isso, que estes textos tenham mesmo sido lidos por autores portugueses para neles encontrarem a representação cultural de Macau que ficou.